quarta-feira, 28 de setembro de 2011

"Exercícios para ser e não ser"


"Exercícios para ser e não ser" é um experimento cênico performático, que tem como base do trabalho uma re-ação dos artistas sobre a as obras "Hamlet" de Shakespeare e "Hamlet Máquina" de Heinner Müller. Com a encenação propomos uma leitura do "ser ou não ser" na contemporâneidade, a patir de experiencias pessoais dos atores e do trabalho desenvolvido dentro da sala de ensaio.








Atores/Performers: Bárbara Carbogim, Everton Lampe e Marcelo Fiorin
Som: Henrique Rocha
Direção: Paulo Maffei
Assistência: Thálita Motta

Coletivo Quando Coisa

quarta-feira, 2 de março de 2011

Meu Corpo em Casca





O corpo é uma multidão excitada, uma espécie de caixa de fundo falso que nunca mais acaba de revelar o que tem dentro
E tem dentro toda a realidade.
Querendo isto dizer que cada indivíduo existente é tão grande 
como a imensidão inteira, e pode ver-se na imensidão inteira.[1]

Antonin Artaud

Cabeça, olhos, orelha, boca, pescoço, peito, coração, pulmão, braços, barriga, estômago, intestinos, órgãos genitais, nádegas, anus, pernas, pés, pele, sangue, osso, rins, fígado, sistema circulatório, sistema respiratório, cérebro, garganta...

Meu corpo em ordem, em órgãos. Estrutura fisiológica do corpo que existe, que anda, que para, que come, que faz sexo, que vomita, que dança, que fala, que se machuca, que sangra, que peida, que produz catarro. Corpo que se faz máquina do humano. Máquina de existir em sociedade.

Quantos de mim passeiam pelos meus órgãos? O que existe entre meu peito e meu coração? O que se passa entre meu estômago e meu intestino? Quanto de amor carrego entre meus braços, ou entre minhas pernas? Onde se localizam as raivas os ódios? Vê-se a angústia pelos meus olhos? Corroborando com Artaud “cada indivíduo existente é tão grande como a imensidão inteira”, proponho aqui a busca da consciência de ser um individuo povoado por multidões. Multidões de sensações, de pensamentos, excitações, “um corpo-multidão, onde circulam uma miríade de experiências, impossíveis de serem completamente catalogadas e fixadas”. (QUILICI, 2004, p. 98)

Proponho está busca de consciência, no sentido de que percebo o corpo como máquina da sociedade. Pequena máquina [corpo] engrenagem da máquina maior [sociedade]. O corpo é moldado e definido para cada lugar especifico, agimos e falamos  de acordo com o que já esta pré-determinado.

Consideremos os três grandes estratos relacionados a nós, quer dizer, aqueles que nos amarram mais diretamente: o organismo, a significância e a subjetivação. Você será organizado, será um organismo, articulará seu corpo – senão você será um depravado. Você será significante e significado, intérprete e interpretado – senão será desviante. Você será sujeito e, como tal, fixado, sujeito de enunciação rebatido sobre um sujeito enunciado – senão você será apenas um vagabundo. (DELEUZE & GUATTARI, 1996, p. 22)

Estes três extratos expostos a cima confirmam a importância do corpo como um signo, que é preparado, ou nas palavras dos autores “organizados”, para agirem de formas pré-estabelecidas. Dentro deste sistema de “organização” do corpo, vamos deixando este de lado, formatando-o de acordo com a função social que exercemos no dia-a-dia, e assim deixamos de perceber que o corpo não é só um mero instrumento de comunicação e locomoção, mas um corpo dotado de significados, um corpo que não está dissociado da mente e da emoção, portanto um corpo capaz de pensar de sentir e de se expressar.

Creme corporal para pele macia. Silicone para peitos caídos e/ou pequenos. Lipoaspiração para cintura fina. Corpo malhado, sarado, moldado. Use o vestido da grife tal. Tomemos Coca-Cola para ser legal. Comamos no Mc Donalds. Alise o cabelo de acordo com a moda. Cruzem a pernas ao se sentar. Dieta da sopa: perca quatro quilos em uma semana. Beba Skol por que uma gostosa falou. Rebole até o chão. Seja elegante na rua e sem pudores na cama. Ninguém deve saber que cagamos, mijamos, nos masturbamos, sangramos. Desejo não é nada imagem é tudo. Como por fim ao juízo de Deus? Como construir para si um corpo sem órgãos?

O corpo esta envolto por uma casca, assim como a fruta ou como o ovo. A casca que envolve a fruta ou ovo encobre todas as estruturas destes, limitando-os a uma forma, uma imagem. A casca do corpo são os limites que se colocam em nossas ações e posicionamentos. Romper a casca e mostrar o que se esconde por trás desta, é mostrar a textura da fruta, sua cor, sua polpa, sua essência seu sabor. Romper a casca é mostrar e perceber o corpo.

Eu em casca, sou Eu RG, Eu CPF, Eu Conta Bancária, Eu lista telefônica, Eu número de telefone, Eu título...  Eu organizado nos códigos, padrões, números, listas entre outras. Como propõem Artaud romper com os automatismos previstos para corpo seria se livrar dos gestos mecânicos e estereotipados. Permitir-se conhecer seu corpo livre dos rótulos velozmente criados, por exemplo, no nascer de uma sensação e no modo com que ela é nomeada, interpretada e catalogada trazida para o campo do já conhecido. Romper com os automatismos é entrar em contato com a “polpa” do corpo.

A proposta aqui é promover uma “ode ao corpo” ou ainda uma maior percepção do “Corpo em Casca”. Não digo para sairmos nus pelas ruas, ou para praticarmos sexo nas praças. A questão aqui é apenas levantar atenção para o corpo, corpo que é meu e que é complexo. Perceber o que move o meu desejo, e o que é o meu desejo. Qual a espessura da casca que envolve meu corpo? Experimentar o corpo é o que proponho , saindo fora da forma violenta como este é formatado e das formas restritas e utilitárias  previstas para ele:

“Fizeram o corpo humano comer,
fizeram-no beber,
para evitar  de fazê-lo dançar.”[2]

Abrir os espaços do corpo para os espaços do mundo e de outros corpos. Dançar o corpo no caos do mudo. “Descolonizar” o corpo de forma a gritar contra o processo de intervenção crescente, de invasão dos corpos, de controle sutil e de agenciamentos dos seus impulsos e dos seus desejos.


Para existir basta abandonar-se ao ser
mas para viver
é preciso ser alguém
e para ser alguém
é preciso ter um OSSO,
é preciso não ter medo de mostrar o osso
e arriscar-se a perder a carne.[3]






[1] Palavras proferidas por Artaud na sua última aparição pública, uma conferência chamada “Téte a Tetê”, que ocorreu em 1947. (apud QUILICI, 2004, p. 197)
[2] ARTAUD, Antonin. Retirado da emissão radiofônica Para por fim ao juízo de Deus de 1948. Txto publicado In : ARTAUD, Antonin. Escritos de Antonin Artaud. (seleção e notas de Claudio Willer). Porto Alegre: L&PM, 1983.
[3] Iden.

Bibliografia

ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São paulo: Martins Fontes, 2006.

________ Escritos de Antonin Artaud. (seleção e notas de Claudio Willer). Porto Alegre: L&PM, 1983.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs, capitalismo e esquizofrenia. V. 3. São Paulo: Editora 34, 1996.

QUILICI, Cassiano Sydow. Antonin Artaud: teatro e ritual. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2004.